domingo, 9 de agosto de 2009

Assim era conhecido, pelos militares que por ali passaram, naqueles longínquos anos de 1966 a 1975, que durou o conflito, no leste de Angola, terras do fim do mundo, no cumprimento das suas comissões.
Também era conhecido pelo senhor Ferreira das Barbas, Chico das Barbas e, para nós, era o tio Ferreira. Irmão da minha avó materna, tio dos meus pais e, por isso, eu me intitulo, sobrinho/neto dele.
Carequinha, de longas barbas que só eram aparadas, pelo meu tio Luís quando, de tempos a tempos, descia ou subia, à capital do distrito, à bonita e airosa, cidade do Luso, hoje Luena.
Exibia na sua careca uma cicatriz, provocada por uma bala ou estilhaço, na guerra contra os cuanhamas, no sul de Angola, aquando da nossa penetração, com o objectivo de estender a todo aquele território a administração, conferindo assim a Portugal a posse efectiva, imposta pela comunidade internacional.
Segundo René Pélissier, no seu livro, História das Campanhas de Angola I, resistência e Revoltas 1845-1941, a subjugação dos povos de Angola, durou 48 anos, de 1879-1926 e, no caso do Leste de Angola, ela só foi concluída em 1928, com a chegada à fronteira oriental, do caminho-de-ferro - CFB.
Viveu sempre em Vila Cangamba (antiga Vila Aljustrel), circunscrição dos Luchazes, concelho e distrito do Moxico, descrita na minha AB a fls.17/19.
A história da sua vida, há muito se perdeu no tempo e com as testemunhas, já falecidas que com ele, tiveram o privilégio de privar.
O que eu hoje aqui vos trago são, somente, lembranças e notas soltas, de conservas que na minha juventude, ouvi contar aos meus pais, aos amigos ou conhecidos.
Também, ouvi algumas da sua própria boca e outras foram mesmo, por mim, presenciadas.
Ele era de facto, um ser incomparável, íntegro, afável, amigo do seu amigo, uma mão aberta, sempre disponível para todos aqueles que recorriam à sua ajuda, particularmente, os nativos que viviam em seu redor, os quais vestia e alimentava.
A prova disso, consta das escassas fotografias que lhe foram tiradas, onde está sempre rodeado da criançada nativa.
Era muito estimado por toda a gente e principalmente pelos nativos, a quem chamavam de “seculo Ferreira”, que significava, conselheiro.
Raramente se ausentava do seu mundo que se resumia à sua residência/loja, em Cangamba, rodeada de eucaliptos, quimbos e mato rasteiro, situada lá no cimo da escarpada margem esquerda do rio Cubangui, à saída para o Muié.
Mesmo no período mais conturbado, da guerra colonial, em que os chamados turras, exerciam um certo domínio territorial daquela zona leste, por falta de acção operativa das nossas tropas, ele não arredou pé. Toda a gente fugiu, mas ele, ali permaneceu sozinho. Amava, profundamente, aquela terra e as suas gentes.
E, quando o fazia, sempre de camioneta e por picadas difíceis, fazia-se acompanhar de uma catre fada de crianças negras, proporcionando-lhes um passeio único, a viagem das suas vidas e uma visita ou conhecimento da grande cidade, capital do distrito, construída pelos chindeles (brancos).
A sua última viagem foi feita, algures nos anos de 1973/74, numa avioneta da Aerangol, evacuado à força, por motivos de doença grave, vindo a falecer, pouco tempo depois, no Hospital da cidade do Luso.
Encontra-se sepultado, no cemitério novo daquela cidade (não sei se ainda existe), à saída para Henrique de Carvalho, junto ao Campo de Tiro, depois das instalações da JAEA, do nosso tempo.
A sua vida, estava recheada de aventuras, vividas naquele imenso sertão, por onde andarilhou, algumas vezes de tipóia, no tempo em que o negócio era a borracha.
Não dispensava o seu “caricoco” que era de venda avulsa ou em volumes redondos, que se rachavam a meio, cem cigarros de cada lado e sem filtro.
A minha primeira experiência, na arte de fumar, foi feita com eles.
Fartei-me de tossir e, depois, para não ser caçado pela minha velhota, às escondidas, numa esquina caiada da nossa residência, com a boquita bem aberta, expirei durante alguns minutos, para fazer desaparecer o seu cheiro. Foi isto que tinha ouvido dizer ou, mastigar cru, uma folha de couve ou bissapas.
De pouco me valeu a cal, a minha velhota, de faro apurado, não o deixou passar e, encheu-me a mala.
Não sei precisar, mas devia ter sido no início dos anos setenta. Foi agraciado com o prémio Governador-Geral de Angola, por ser um dos portugueses mais antigos naquela colónia, que nunca tinham regressado à sua terra Natal, a Moimenta da Serra, concelho de Gouveia. Meio século depois. O prémio consistia numa viagem de ida e volta ao”Puto”, isto é, a Portugal. Foi motivo de reportagem e o artigo saiu numa revista, muito vendida na época, em Angola, mas não me recordo do seu título.
Foi moderado na sua expectativa, mas foi comprando escudos de cá, a 120% o câmbio, aos soldados por lá estacionados. Conseguiu, segundo ouvi dizer, amealhar cento e muitos contos, para os seus gastos cá.
Não chegou a realizar a viagem, nem os gastos. Alguém da família, que não a minha, encarregou-se dos gastos.
Os seus escassos tarecos foram recolhidos, em Cangamba, pela minha mãe e pela sua enteada, a saudosa Dona Leopoldina Amaral, em viagem organizada adrede, no Luso, numa camioneta do nosso vizinho, camionista, senhor Martinho Afonso.
Para nosso espanto, entre eles, encontrava-se o nosso estimado amigo, o Porco João que, dada a nossa passada convivência, nunca tivemos a coragem de abater e, por esse nobre motivo, tinha sido oferecido a este tio.
Dava uns bons presuntos. Acabou por ser vendido, no Luso, no talho e, possivelmente, a retalho, pelo senhor Ramalhete.
É minha forte convicção, apenas isto, pois não possuo provas de nenhuma natureza, de que conheceu e privou com ilustres figuras da nossa História, em Angola, como o Silva Porto, Serpa Pinto, Paiva Couceiro e com eles calcorreou aquele sertão, tomando parte activa nas Campanhas de Angola. É um assunto que merecia ser aprofundado.
O já referido autor, no seu II livro, sobre aquelas mesmas Campanhas, refere a páginas 153 o seguinte: “Parece que o Bunda Bando (ou aqueles que se escondiam atrás deste nome) teria pensado numa revolta pan-étnica do Leste de Angola, pois ele próprio foi a Cuangar procurar alguns guerreiros cuanhamas armados com carabinas. Informado disto, o capitão-mor dos Luchazes, António Augusto Dias Antunes, desceu de Cangamba, no início de Outubro, em direcção da fronteira. Tinha apenas 5 graduados, 48 soldados indígenas, 5 comerciantes brancos e 105 auxiliares ovibundos”. Isto passou-se em Outubro de 1916.
É justo ou aceitável pensar que um dos 5 comerciantes brancos, que faziam parte daquela reduzida força, fosse o velhote das barbas de Cangamba.
Eu sabia que ele era um bom caçador, mas, bom cozinheiro, desconhecia por completo. Quem me forneceu esta novidade foi um ex-militar que ali, em Cangamba, prestou serviço e teve o privilégio de provar dos seus petiscos. Obrigado amigo pela informação.
Tem sido muito comovente, depois de tantos anos, estes bravos soldados, conservarem nas suas lembranças, aquele simpático velhote. E tenho recebido, algumas fotografias de convívios/almoços que, com ele, partilharam. E lá está ele, sempre a sorrir.
Nas minhas pesquisas na Net, tenho privilegiado o tema Angola. E depois de muitas buscas, escrevi, CANGAMBA, MOXICO e fui parar a um site, VIAJES A CANGAMBA. A linguagem/escrita, sou-me a cubano que por ali, também, andaram em auxílio de MPLA, após a nossa retirada e a primeira mensagem começava assim: -“conheci Cangamba nos idos anos de 1972/75....”e, resolvi entrar. Segundo consta, esta Vila foi arrasada.
Como fiquei pasmado e encantado com as fotografias ali inseridas, resolvi deixar o meu testemunho. A resposta surgiu no dia seguinte (13.MAIO.09), mas eu só dei por ela no dia 26.07. A partir desta data, tenho trocado correio electrónico com o amigo senhor Pedro Lopes, o autor daquela mensagem, pertencente ao Batalhão dos Garras.
O outro contacto é com o amigo senhor José Reis que foi oficial (alferes) no posto administrativo do Muié e é o actual responsável pelo site batalhao2899@gmail.com AS DE ESPADAS. Neste site, constam testemunhos comoventes, arrepiante e divertidos.
Não quero terminar este trabalho sem fazer constar, dois acontecimentos ocorridos, durante o tempo em que habitei a sua casa.
O primeiro, tem a ver com o seu vizinho mais próximo, o senhor Almeida Camapunho, camionista e comerciante, que tinha a sua loja à saída para Cassamba. Onde tinha, também, uma loja e cujo responsável, naquele tempo, era o seu filho mais velho o Cristiano.
Reuniam-se, de quando em quando, depois do jantar, na sua soalheira e larga varanda, cimentada, sentados nas escadas ou nas cadeiras de encosto de pele de animal selvagem, de fabrico artesanal, local, a trocar conserva fiada sobre os negócios e sei lá que mais, bebendo e fumando.
Na hora da separação, já alta, como medida cautelar, levava sempre a sua caçadeira, para acompanhar o seu amigo a casa. Não fossem eles, pelo caminho, serem surpreendidos por alguma fera, traiçoeira.
Estas duas almas, que já lá estão em descanso, passavam a noite a calcorrear aquela avenida, num vai e vem. Chegavam à frente das suas respectivas casas e voltavam, a acompanhar o parceiro e amigo, ambos, receosos de que algo acontecesse. Depois, ao raiar do dia, que tinha por hábito, surgir às cinco da manhã, separavam-se a meio da referida avenida, onde outra estrada, descia em direcção ao rio Cubangui.
O segundo acontecimento, ocorreu ao anoitecer. Possuía, na margem do rio, uma horta e tinha por hábito, visitá-la depois de encerrar o comércio. Só que, naquele dia, assustou um cavalo-marinho ou rinoceronte, na linguagem nativa rinongue (ou narigudo), que pachorrentamente e ocasionalmente, por ali perto se alimentava de caniços.
Resultado, o bicharoco não gostou e investiu e ele teve que dar corda aos sapatos para dele se livrar.Chegou a casa todo esbaforido e todo molhado. Depois de uns minutos de descanso, contou o sucedido.
Valeu-lhe o facto de a fuga ter sido, ribanceira acima, nada favorável ao bicharoco, pesado de toneladas de banha.
Finalmente, no Luso, nas suas deslocações de visitas amigáveis, era a mim e ao meu mini que recorria. No final destas, fazia sempre questão de pagar a gasolina e, passava-me para mão 20 escuditos que davam para cerca de 3 litros. Não me concedia a hipóteses de recusa.
Esta é pois, a minha singela homenagem a um velhote que, ajudou, como muitos outros a construir Angola e que, agora, repousa apenas nas nossas já cansadas memórias e na indiferença dos políticos governantes, de ambos os países - Portugal e Angola.
LEÇA DA PALMEIRA, 2009-08-09
O AUTOR António Ferreira Gomes
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Almoço Confrat.CCS/CCAÇ2457/CCAÇ2455 em Boleiros 16-05-2009

Meninas no Chitembo,dez.1970. Loura,Eduarda,Norberta e Maciela,chegadas do Puto

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Marmelada,Julio Odivelas e Lopes,Chitembo 1970

As gajas e namorados vindos do hotel "Kimbo"-Chitembo

Baile de despedida do Chitembo,31/12/70.

Baile-Chitembo

Missa pelos Garras falecidos

Missa pelos Garras falecidos

Os Garras em homenagem a Pinto de Sousa

Homenagem a Pinto de Sousa

Falecimento do Garra Mateus


Missa dedicada ao Capelão falecido,na sua terra natal-Casegas

Homenagem ao Garra Arantes

Campa do Arantes

Campa do Capelão

Homenagem ao Capelão

Capelão do Bat.Caç 2858 Padre Antonio de Carvalho

Vista total do quartel da CCS/Bat Caç 2858-Cangamba 1969

Av Cangamba - Cangamba, Leste de Angola

Natal 1970-Chitembo

Garra Cruz falecido e Lopes

Moeda ao ar-futebol

Caçada no Chitembo

Despedida do Chitembo-jan 1971

Corrida S.Silvestre-31 dez 1970-Chitembo